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Óculos
Meu irmão mais velho editou outro volume de contos. Ele tem a vista perfeita, imune a quaisquer desvios, todo ele é contrário a mim, sendo eu o único míope entre os irmãos, pretendendo ansiosamente escrever contos como ele, escondendo do mundo meus rascunhos secretos, envergonhado de minha vasta miopia, esmagado por minha impotência, enquanto tento arrancar os olhos com as unhas. Vem o dia em que noto algo mais do que isso e corro ao oftalmo, tão angustiado como sempre que vou a um oftalmo. O médico constata a irreversível degeneração da mácula, o que me põe a arranhar o rosto ante meus papéis, até finalmente abrir mão de tudo e atirar para longe meus malditos óculos, tão impróprios à literatura. Vertigem de graus insuportavelmente altos. Prismas de passagem. Também dessa vez, pensei que pudesse arrancar os olhos com as mãos.
“Você deveria usar lentes de contato”, aconselha um colega. “São muito mais práticas.”
Lisette Maris em seu endereço de inverno – Guia de leitura
49. O caminho das ruas de flores vermelhas – próximo
47. A cidade de um país – anterior
Imagem: Paul. S. Brown. Autorretrato.
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