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Como você pode pensar isso? Credo!
… que acontecem
O tempo não deixa sobreviventes. Simples, não é? Claro que é. Mas por pensamentos simples assim é que já me disseram: “Como você pode pensar isso? Credo!” Como? Como eu posso pensar nisso? Ora, não sei. Será porque… porque… é isso que acontece o tempo todo? Não tem problema, estou acostumado. O próximo passo é ficarem me olhando como se eu fosse o responsável por esse fenômeno de rotina, como se eu tivesse descoberto a América, e ninguém soubesse de uma coisa tão óbvia. Puxei em minha memória (e achei o texto) que Galileu Galilei, em carta a uma nobre sueca que lhe oferecera asilo político, já que, na Itália, a Igreja iria condená-lo à morte, escreveu: “[…] como Sua Alteza bem sabe […] descobri nos céus muitas coisas.” Prossegue informando que tais descobertas e suas consequências incitaram contra ele professores eclesiásticos, que o acusaram de heresia “como se eu tivesse colocado essas coisas no céu com minhas próprias mãos.” É uma sensação parecida. Como se você é que estivesse fazendo a coisa toda. E não é, o que é desnecessário dizer – mas fica aí, dito, para evitar incompreensões maiores. Se você diz a alguém que a vida não é feita para durar, que não haverá sobreviventes da fuzilaria do tempo, que a composição que somos hoje irá desaparecer para sempre, o seu semelhante, que vive nas mesmas condições que você (talvez por isso mesmo), manifesta algum ar de repulsa, como se você é que estivesse fazendo passar o tempo e estivesse eliminando todos. Ou desejando que seja assim. Ou (absurdamente) determinando que seja assim. Eu tinha lido isto no Jostein Gaarder: que somos como um jogo de lego, sendo os átomos e moléculas as pecinhas que nos compõem. Elas se unem por certo tempo (minha vida) e um dia se desunem (minha morte). Não sei por que isso acontece, não faço ideia – por que ficam unidos por certo tempo, depois tornam a se desgarrar uns dos outros. E é claro que não posso alimentar qualquer pretensão de evitar a dissolução dessas pecinhas que me formam. Elas já são feitas para isso, para um dia se dissociarem, “desmontando” tudo o que sou. Isso está no livro dele, nem era uma ideia minha – embora, sendo sincero, gostaria que fosse. Pois quando contei isso a alguém, esse primeiro alguém (constituído do mesmo “lego” que eu) ficou em silêncio, um silêncio quase hostil, olhando-me de frente, talvez pensando, talvez me odiando. É assim. Quase não se pode dizer nada sem ofender os deuses, diria Goethe. A fuzilaria do tempo é a pior. Como se eu é que estivesse matando todos, por exemplo. E enquanto uma ou outra pessoa antipatiza comigo, o tempo vai cuidando de tudo, sem deixar sobreviventes. Não, não. Não seja injusto, meu semelhante. De jeito nenhum sou eu o responsável por esse massacre sem fim. Não me acuse de ter colocado essas coisas no céu – ou melhor, na Terra – com minhas próprias mãos.
Mais do que acontece: Não era intenção, juro
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