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Quem era esse demônio?
… que acontecem
Naquela noite, após a palestra sobre pluralismo cultural na Faculdade São Luiz (minha parte era só literatura), foi o que mais se mostrou vivo e agitado entre minhas ideias. Érika não percebeu, falávamos sobre outras coisas, na viagem de volta. Ao fim da exposição, ilustrada com amostras de trechos literários de diversas tendências e épocas, na última meia hora, reservada para as perguntas dos participantes, uma jovem foi ao microfone dizer, primeiro, que estava, com alguns colegas seus, fazendo um trabalho no curso de Letras sobre o conto de abertura da coletânea Lisette Maris, O demônio no fundo do quarto – o texto não fazia parte da palestra. Ela quis saber o que era, ou quem era, aquele demônio, no que eu estava pensando ao escrever aquilo e curiosidades desse gênero, muito bem-vindas quando envolvem processos criativos, no caso específico, da literatura. Todos nós sabemos que o demônio é sempre uma representação óbvia de algo nocivo, traiçoeiro, que causa o mal, que causa a dor, embora a origem da palavra signifique conhecimento (daimon, daimonion, no grego antigo), melhor especificando, o gênio inspirador do conhecimento, fazendo supor que a consciência, o conhecimento é que podem nos causar dor, como sucedeu a Pandora e a outros tantos personagens míticos que caíram em tentação, particularmente na tentação da curiosidade, do querer saber. Claro que não é a consciência que pode nos causar o sofrimento, mas o conhecimento desse sofrimento por meio da consciência, o velho e certo o-que-os-olhos-não-veem-o-coração-não-sente, só que invertido. Não, eu não tinha pensado nisso ao escrever o conto, e aquela garota me despertou. A figura abstrata de um demônio foi usada na narrativa como metáfora do mal, do conflito que teria destruído uma família dentro de si mesma. Mas reconhecer isso – que a causa da destruição estava repartida entre todos, que o demônio era um pouco de cada um – ganhava força na consciência do filho mais velho, que havia retornado corajosamente à casa sinistra onde tudo havia se passado, e era, sim, o motivo principal de seu sofrimento. Em outras palavras: se ele não soubesse de nada, não teria experimentado a surpresa dessa tomada de consciência, a impotência diante de tal revelação, a penosa aceitação de que também ele fazia parte do processo autodestrutivo. Quem era esse demônio? E que outros demônios podemos usar? Carl Jung conta, em suas memórias, que, quando leu pela primeira vez o Fausto, de Goethe, exclamou gratificado, referindo-se ao escritor: “Enfim, um homem que leva o diabo a sério.”.
Mais do que acontece: Que fim levará esse conto?
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