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Fronteiras de fumaça, luzes insuficientes
Oásis. O outro bar. Música ao vivo. Cantor, violão, percussionista precariamente equipado: nem mais do que isso seria necessário para as noites ainda quentes de um verão que prometia estender-se. Repertório previsível, mas que os conquistadores requisitavam e ofereciam às suas paixões em carne e osso. Oásis, algo mais a dizer? Nome sugestivo, avesso à metrópole. Avesso de uma vida atribulada, mas nela contido: seu dentro de fuga. Palavra-nome. Traição.
“Valeu, gente. Já já estamos aí com mais música, só o tempinho de molhar a garganta, obrigado.”
Mais a dizer, que sempre há. O Oásis costumava abrigar grupos de poetas e músicos, havia ali algo que os atraía, provavelmente a descontração do ambiente, Júlio não tinha certeza – como, também, não tinha certeza de tantas outras coisas, porque, no fundo, não tinha certeza de nada. Algo que coincidisse com certa maneira de exercer uma ampla liberdade de posturas e gestos, podendo-se mudar mesas e cadeiras, dispondo-as conforme aconteciam os encontros e se formavam as companhias, porém nunca semelhante a qualquer simetria ou sinal de disciplina, como normalmente se dava nos restaurantes ou cantinas de outro padrão.
“Chegou o grande poeta! E aí? Outro livro na praça?”
“Sempre! Nunca esmorecer!”
Os artistas se encontravam, ora irradiando alegrias, ora parecendo querer transmitir a todos um clima de sombria desesperança, como se em uma determinada noite estivessem todos de acordo em considerar a vida um conjunto de melancólicas situações.
“Pós-Modernismo! A arte está órfã de princípios. A vida está à deriva. À deriva, companheiros…”
Com o pouco que encontraram, fizeram crescer barbas e cabelos. Assumiam a marginalidade artística com a mesma vaidade dos que a negavam, a das bandas milionárias, dos poetas oficiais e dos canastrões paradidáticos, que os alternativos não queriam ser, mas cuja predominância lamentavam secretamente.
“Industrialização da arte! Escutem só o que estou dizendo: industrialização da arte!”
Os mais velhos agrupavam-se em outra parte do salão, observando com dissimulada avidez cada fêmea que atravessava o espaço próximo. Mulheres que, tal como nas canções que ternamente cultivavam, os boêmios prometiam tratar com carinho, dedicação e sobretudo com exemplar fidelidade, de tudo aos seus amores sendo atentos. Talvez já houvessem desistido de tentar compreender a vida, por isso viviam noite após noite, tentando usufruir de cada momento, acreditando-se senhores de uma refinada sensibilidade e compensando-se com a ilusão da experiência.
Entre o cruzar-se das inúmeras vozes, sendo as mesas todas muito próximas, envolvidos em fronteiras de fumaça e luzes insuficientes, num tempo em que muito se falava em reconstruir o País, não dizíamos a ninguém, Bruno e eu, que eram os bares, e sua mescla singular de frustração e esperança, a nossa pátria secreta.
Os últimos dias de agosto – Guia de leitura
31. O centro em parte alguma – sequência
29. Arca com retratos do pai. Parte 2 – anterior
Imagem: Tina Tomlinson. Escala de cinza. (detalhe). 2005.
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