Office in a Small City por Edward Hopper

Fria manhã dos que se procuram

Era uma fase confusa, como a de todo mundo nessas idades.
Pensei seriamente em estudar, mas, por essa época… eu já era triste.

Tomie Ohtake. Pinturas cegas. “Gosto muito de andar assim com você. Conversando…”

“Também.”

Braços dados, por causa do frio. Os cabelos dela oscilam, sobem e descem pouca coisa, a cada passo. Retraindo o queixo, ele sopra para baixo de vez em quando – Fuffff… Mas vão tranquilos. Outro vento lateral, surpresa arrepiante. Corpos mais unidos, instinto de se protegerem. Golpe de vento.

“Au…”, apertando os olhos, virando-se para ela. “Só uma frente fria. Você vai ver. Vai passar.”

Ela rindo: “Claro que vai passar. Bobo.”.

“Viu o noticiário? Blumenau está um gelo! Até Andradina… E a Serra Gaúcha então…”

“Nossa, quanto frio, hein? E o que eu tenho com isso, se eu moro aqui?”

“Gosto muito de andar com você…”, Danilo repetindo feito um sinal gravado, olhando para a frente.

“Um escritor diria: caminhar. Mais bonito.”

“É. Mas não estou escrevendo. Estou andando.”

“Você me falava da sua paixão por ciências – além da sua obsessão doentia por literatura”, ela mantendo o humor. “Não contou por que não quis estudar.”

“Lembro sim. Não contei? Era uma fase confusa, como a de todo mundo nessas idades. De todo mundo, não sei. Tinha um pessoal que sempre sabia o que queria fazer, eu nunca entendi isso. Pensei seriamente em estudar, seguir alguma área da ciência, ainda no terceiro ano. Mas, por essa época… eu já era triste.”

“Oh… E isso quer dizer… o quê?”

“Que… eu não tinha motivação pra nada. Só pensava que o planeta continuava girando e que tudo um dia iria acabar, de um jeito ou de outro.”

“Uau. Difícil fazer qualquer coisa, não é? Pensando assim… Nossa, mas que coisa, hein? E aí?”

E aí? Nada valia a pena, é claro. Estudar então…”

“Talvez estudar um jeito de fazer o planeta parar. Aí, então, valeria a pena alguma coisa, quem sabe. Será?”

“Não. Que girasse à vontade. Nada valia a pena nessa época.”

“Hum… Sei. Claro que não acabou assim. O que mudou?”

“Algo natural. Impulsivo, sem controle. Instinto sexual.”

“Ah, essa não…”, Liana segurando o riso. “Essa não, inventa outra. Não vou cair nessa.”

“Conheci uma menina que me atraiu muito. As perguntas e as respostas se perdiam nela. Ah, era maravilhoso… Ela não sabia do que eu pensava, isso era segredo.”

“Não sabia que você gostava dela?”

“Não sabia do que eu pensava sobre o giro do planeta. Imagine se eu iria sair dizendo por aí que o planeta estava girando, girando o tempo todo, e que todos nós iríamos morrer. Ainda mais para uma garota.”

“Não seria de bom-tom, como dizem. No mínimo.”

“Ahahah… Não. Não mesmo. Não seria não.”

“Bom, e essa namoradinha então fez o quê?”

“Não, não namoramos. E ela não fez nada. Não era via de mão dupla. Ela não demonstrava qualquer interesse por mim além de um coleguismo sincero, quase uma amizade, quase. Ela me inspirava a estudar, a me interessar por coisas novas, era isso. Mas só funcionava, repito, porque ela me atraía muito. Não acha estranho?”

“Não. Não muito. É assim mesmo. As pessoas sempre se salvam. Sempre nos salvam.”

“Não, não. Digo, se ela fosse de outro tipo, se fosse diferente do que era e não me atraísse sexualmente, não sei se eu daria atenção ao que ela… Ah, deixa pra lá, que tédio.”

“E ela inspirou você…”

“Não o bastante. Eu só desejava que ela estudasse por mim, que ela descobrisse alguma coisa nova por mim. Eu ficava lendo poesia e me perdendo de tudo, procurando alento nesses poetas todos, no fundo tão fracos, tão sem energia para nada, por isso mesmo é que eles ficavam em casa escrevendo, escrevendo…”

“Você sabe que não é bem assim”, ela rindo de novo.

“Não sei até que ponto eu me libertei disso. De vez em quando, torno a lembrar que o planeta gira, e é claro que isso desanima qualquer pessoa.”

“Ah, que isso, não fale pelos outros.”

“Isso não é triste pra você? Não parece que estraga tudo?”

“Hum… Não sei. Para alguns, pode ser um grande alívio. Já pensou?”

“É… É. Pensei.”

“Vem cá… Gostou desse beijo?”

Não param de andar em nenhum momento.

“Linda, claro que sim. Por que não faz isso mais vezes?”

“Dessa vez foi só pra te mostrar que, se o planeta gira ou não, nós temos mais o que fazer. Olha, olha esse vento, nossa, olha isso! Que friiio!”

Ciscos e folhas parecem querer atacá-los.

“Uau! Outro golpe bem forte. Mas vai passar. Você vai ver…”

Estreitam os olhos. O vento mais forte passa.

“Vai me pegar sexta-feira?”

“Vou. Gostou daquele motel? Quer voltar lá?”

“Gostei. Mas não sei. Vamos ver.”

“Prometo que dessa vez não derrubo você da cama. Prometo que não vou fazer nada. Não vamos brincar de nada, certo?”

“Não sei. Vamos ver.”

Marcas de gentis predadores – Guia de leitura

11. E a máquina de escrever? – sequência

9. O rival de Churchill – anterior

Imagem: Tomie Ohtake. Pinturas cegas.

por

Publicado em

Leia também:

Comentários

Comentar