Office in a Small City por Edward Hopper

Pedras, cometas, fichas alucinantes

A harmonia não pode durar muito, ela depende de sua própria desorganização para se reorganizar, como sempre.
A simetria é oposta à vida, sim, foi o que você mesmo disse.

O bar, você quer. Pista de dança no centro do retângulo. Longo balcão de impermeável, densamente estampado com estrelas, espirais, meias-luas e outros míseros sinaizinhos estilizados aludindo à noite, ao universo, e servindo a disfarçar manchas de molhos, cerveja entornada e outras nojeiras. No fundo do retângulo, onde se fechava esse balcão, duas mesas no cubículo de três paredes, espécie de apêndice do salão. Havia ilustrações nas paredes. Falo sério. Motivos siderais.

Bem defronte a mim, subia na diagonal um bólido incandescente, um inconcebível cometa em amarelo vivo, deixando atrás de si um rastro de fogo (fogo, acredite!), num trajeto que o fim da parede menor delimitava e que, levado adiante, o projetaria ao centro do retângulo e incendiaria a pista de dança, dados sua curvatura e ângulo de… Bem, bem. Deixemos disso. Chamar a um lugar retângulo, não sei. Desenhamos, com régua e esquadro, ambientes simétricos onde buscamos nos perder, você sabe. Todo o esforço dos engenheiros e dos arquitetos chega a resultados como este: um lugar adequado às nossas procuras e às nossas solidões – enfim, perfeito para comportar nossas crises. E estamos sempre em algum lugar.

O mais importante: por uma escada muito estreita e acentuada, chegava-se à adega, no subsolo, um guichê minúsculo sobre um balcão também ridículo. Sozinho nesse porão sufocante, um rapaz de barba castanha trocava as fichas por bebidas, sem dizer palavra. Não pareciam incomodá-lo o teto baixo, a luminosidade opressiva, a penumbra que deitava a escada. Este sim sabe viver, pensou Júlio. Nem uma palavra. Nem uma reação à penumbra ou às escadas inacessíveis que…

Está bem, não importa. Por que mencionei o cubículo de três paredes? Sentei-me ali.

Antes de embriagar-se, Júlio ficou passeando os olhos ao redor, observando a todos, como sempre fazia. Ao mesmo tempo, revia Vanda: que mais poderiam ter sido? Não vale a pena lamentar-se, você não gostaria mesmo que ela fosse sua, consolava-se. Por mais tempo, compreenda-se. Sua companheira, sua esposa, por exemplo. Admita, não queria mesmo que ela fosse sua. Ela perderia seus isqueiros. Jogaria revistas sobre seus livros. E as sandálias dela cairiam do seu lado do armário, sobre os seus sapatos. Mas que maneira de se consolar! Poderia ser menos infantil, ter mais de vinte e cinco anos, por favor? Você, Júlio, não passa de um perfeccionista unilateral, por isso não se desprende nunca das simetrias, o que é oposto à vida. Repita, para seu próprio aprendizado: as si-me-tri-as são opostas à vida. Tudo acontece por acaso. Sem predestinação. Seria absurdo que tudo obedecesse a um plano invisível. Nada faria sentido, nesse caso. Seríamos todos inúteis, nossas decisões estariam todas perdidas, enfim… Olhe agora ao redor. Olhou ao redor. Observando a todos, como sempre. Logo perdeu o interesse nisso, neles. Em todos. Pensou em sua condição – mas sem nenhuma amargura, nenhum remorso. Só lhe restava o autodesprezo, a paródia. O sarcasmo. Este com que tantas vezes avaliara o mundo de seus ridículos semelhantes. As coisas mudam, mas não muito. Você não vai ter sempre vinte e cinco anos. A vida tem sido, continua sendo, para mim, o que apenas é, o que sempre foi, um sonho. E um pesadelo. Não há como discernir um do outro. O que sempre tem sido. Motivos siderais, muito bem. Não esperam que eu considere outra vez o cálculo das órbitas e a tão falada harmonia do cosmo. Porque as coisas explodem no cosmo. Depois se recompõem, pelas mesmas forças. A harmonia não pode durar muito, ela depende de sua própria desorganização para se reorganizar, como sempre. A simetria é oposta à vida, sim, foi o que você mesmo disse. E tinha bebido menos quando disse isso. Não importa o que descobriram os astrônomos. A noite é sempre maior. Não, não, Júlio, que vergonha: contaminado pela mania dos poetas. Vai acabar publicando versinhos, outra solução fácil. Reagir, homem, enquanto é tempo. Desceu à adega, voltou com algo mais forte. Nunca o bastante. E toda vez que retornava e se sentava à mesa, dava com a descomunal bola de fogo simulando sua velocidade própria, querendo romper a parede. Às vezes, tinha a impressão de vê-la em movimento, desgarrando centelhas. Mas não que a visse assim. A menos que delirasse.

Eu disse às vezes. Isso muda tudo. Cometas são bolas de gelo. E os pintam como bolas de fogo. Tudo é moldado, adequado à nossa vontade. E foi assim que se inventaram o Reino dos Céus, o Jardim de Alá e as confeitarias. Vamos, vamos.

Pois, sobre aquela mesma mesa, ele poderia, munido de alguns papéis em branco e uma esferográfica ordinária, dar início a uma história que outra vez contasse de alguém. Sua própria história não valia muito. Mas poderia mentir. Então sim, teria algo menos comum do que aquilo que ocorre fluidamente entre os dias de todas as gentes. E seria associada às etapas de sua vida, se fosse possível registrá-las em partes ou em volumes, como em uma estante, com capítulos intitulados: O príncipe Júlio ou O grande ator Júlio Dias. Júlio, segundo seu falso destino. Júlio, o acrobata, em dois volumes: I e seus empregos; II e suas namoradas. Emprego é uma palavra perigosa. Mais de um sentido. Menos restrições. Como qualquer ilusão, com seus riscos. Como em todas as vezes em que acreditara fosse mesmo um príncipe.

Vamos, vamos. Da mesa próxima, dissimulada entre expressões de frivolidade, uma loirinha cacheada, rosto triangular, olhos inquietos e ardilosos, assistia à minha solidão de gestos impacientes.

Estava acompanhada. Os outros casais de sua mesa faziam que Júlio se sentisse menos idiota, principalmente quando se dispunham a rir, com escândalo, dos próprios gracejos sem graça. Júlio fixou os olhos dela, ameaçou sorrir. Ela se desviou, prudentemente. Certo que estivesse curiosa. Mas algemada. O namorado deu-lhe um aperto nos ombros, agitou-a com alegre violência, enquanto falava em voz alta com os amigos, beijou-a sem que ela estivesse pronta, e voltou a gargalhar com os outros.

Que tédio. Voltemos à adega.

Bom sinal não saber dizer se quinta ou sexta dose. Júlio nem pensava em contá-las. E contava. Nem queria uma maldita cabeça para avaliar a vida. E o fazia. Pensava em morrer. E vivia. Decidia levantar-se, interrompia o gesto. Queria ir embora, voltava à adega. Quando vinha à mesa, punha-se por um minuto de pé, corria os olhos pelo lugar, fingindo alguma serenidade. Então, sentava-se desastradamente. Via, sem muita intenção, um menino triste e desajeitado, mãos sobre a mesa ao alcance das suas, um menino ali, seu rosto e seus olhos, dizendo-lhe: “Está tudo bem, Júlio. Está tudo bem. Nós nos resgatamos e nos salvamos, é o que parece. Outro foi arrastado pelo rio, lembra? Estamos ainda em curso. Vamos, outra dose. A noite não deve demorar agora.” Que é isso, o que estou dizendo, afinal? Você está mesmo muito poético, outro sinal de grande decadência. Um cometa, quem diria. Um corpo errante. Um copo ardente. Buscando destruir e destruir-se, enquanto registra atrás de si um caminho de fogo.

Destruir-se. Justificar-se, talvez. Meteoro é a mesma coisa? Ora, vamos.

Os últimos dias de agosto – Guia de leitura

87. Só ela sabia – sequência

85. Real e insuficiente – anterior

Imagem: Nora Kasten. Grupo de três.

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