Office in a Small City por Edward Hopper

Rapsódia em cinza

A lagarta tece a borboleta.
Formigas vão e voltam, tocam-se os homens pela memória.

Sol em teu passado, mesmo que hoje atravessa teus olhos.
Mesmo o inverno. Dias de chuva.
………….E teu sonho.
Este o dia, e não outro – emoldurando teu espelho em curso.
Lendas de estações mal esquecidas, narrações de fadas extraviadas:
………….não há outro Egito, outra Grécia,
………….outra Roma – não há outra tua infância.
Sob o riso largo das tempestades, a assinatura do relâmpago
– e teu sonho.
Esta casa, não outra – o endereço de tua infância.
Não há rua assim inconfundível
(por onde outros passeiam sem espanto)
nem fachadas que te podem confiar surdos segredos.
………….Daí o impacto de assim te arrebatarem.
………….Daí, entre laivos disformes, a dor de não as compreenderes.

*

A lagarta tece a borboleta.
Formigas vão e voltam, tocam-se os homens pela memória.
De esterco nutre-se a floração enquanto a arquitetura da morte
produz lâminas de fungos entre a relva e a erva úmida
no ermo
de um jardim que nunca passa.

………….E dentro de sua luz contém o espaço.
………….E desde o dia azul prepara a sombra.
………….Não a caixa de correio, não o vaso de avenca,
………….não os avós em repouso ou a perspectiva da antiga tarde.
………….Não as nódoas em anosa madeira, outra porta sem chave,
………….hoje gritos contidos entre as contas-solidões do cristal-tempo.

………….Quando entra em cena o calendário em que crês?

Hoje as mãos de teu inimigo e os pés de tua amada,
hoje a maneira como os ventos retornam
– a quem alguma vez abriu-se à última fronteira, ainda assim –
te posicionam em face do mínimo grão.
Silêncio – e seu potencial de ausência.
………….A ti outros resquícios reafirmam
………….que os mortos ainda têm sonhos ruins.

*

Sol em teu passado, mesmo que hoje atravessa teus olhos.
Mesmo o inverno. Dias de chuva – e teu sonho.
Este, o dia – e sua temperatura.
Sono de andarilhos. Febre de passagem.
………….E as pedras com que,
………….uma a uma
compões o teu jardim.

 

1º. lugar no 3º. Prêmio Ribeirão das Letras de Literatura.
Secretaria Municipal de Cultura, Instituto do Livro de Ribeirão Preto.

Leia mais poemas e sobre poemas: O recurso da relva

Álbum

Imagem: Claude Monet. Ninfeias. 1904.

por

Publicado em

Categorias:

Leia também:

Comentários

Uma resposta para “Rapsódia em cinza”

Comentar