Office in a Small City por Edward Hopper

Consumação mínima

Eu, antes de conhecê-la, tinha a impressão de que a minha vida sentimental não haveria de se endireitar nunca.
Depois que a conheci, passei à convicção de que não iria se endireitar mesmo.

Decidimos jantar fora, Mônica e eu. “Desta vez, você vai ver, vai dar tudo certo”, afirmei. “Tenho dinheiro.” O ruído do tráfego e as vozes no boteco dificultavam-me a audição. Assim, muito mal eu compreendia o que ela falava ou resmungava do outro lado. “Entendi. Sei. Claro que sim.” Telefones públicos sempre são instalados em locais ruidosos. “Entendi. Estou. Sei.” Mais ou menos. Não entendi tudo. Mais ou menos, mentindo um pouco. Mas ficou bom.

Ela fez questão de mencionar a última vez que estivemos num restaurante. Logo à entrada, um sujeito simpático, meio garçom, meio porteiro, não sei, sorria às pessoas que entravam e saíam, desejando-lhes boa noite, bom apetite, bom isto, bom aquilo. Abriu a porta de vidro e um sorriso que não o impedia de nos radiografar dissimuladamente – tanto quanto eu, por minha vez, também o observava, em silêncio, agindo assim. (Antes, quero lembrar que Mônica e eu costumávamos procurar bares desconhecidos, que era o que mais se encontrava na cidade. Muitas outras coisas, fazíamos juntos. Nem sempre em harmonia. Mas juntos. Eu, antes de conhecê-la, tinha a impressão de que a minha vida sentimental não haveria de se endireitar nunca. Depois que a conheci, passei à convicção de que não iria se endireitar mesmo.) Enfim, o lugar nos agradou por ser envidraçado e em parte aberto, dando a uma pequena praça semicircular com lâmpadas nostálgicas. Cerveja e dois copos. O garçom trouxe também pratos, talheres e guardanapos, retirando-se automaticamente. Tive de chamá-lo em voz alta. Ele voltou.

“Acho que o senhor não entendeu. Nós só queremos cerveja.”

“O quê?”

“O que o quê?”, falei.

“Não servimos só cerveja”, ele explicou com uma estranha felicidade, quase desenhando uma careta de sarcasmo. “Nossa consumação mínima inclui refeição para dois, além da bebida.”

Mônica olhava para fora, suspirando de vergonha. Eu não podia pagar um jantar, nem ela. Estávamos em outra fase absolutamente não invejável de nossa situação financeira. Poderíamos naturalmente não ter saído de casa, com o fim de se evitarem gastos, mas pensamos que não nos faria mal tomar alguma coisa só para refrescar nossas ideias, que andavam algo desencontradas nos últimos dias. O garçom, que não sabia nada, nem sobre nossas ideias desencontradas nem sobre coisa nenhuma nossa, batia de leve com a quina do cardápio na palma da mão direita, enquanto esperava.

“Não queremos jantar”, declarei. “Que fazer?”

“Ora!”, fez ele cerrando os dentes. Ia retirando os pratos, enquanto resmungava: “Ora… Ora…”. De longe, os garçons nos observavam. De perto, os outros fregueses. Mônica se recusava a olhar para mim. O mesmo garçom voltou com a conta, note-se, a cerveja mal começada mais porcentagem. Postou-se de pé, ao meu lado, tentando constranger-me com sua espera, eu percebi. Considerei a ridícula somatória, fingindo conferi-la com cuidado. Eu não sabia que as coisas ali eram tão caras, foi o que me pareceu. Na verdade, eu estava imaginando uma maneira de calotear a malfadada cerveja. Enfiei a mão em todos os bolsos e fiz uma cara de desconsolado que só eu sei fazer em tais situações.

“Esqueci minha carteira.”

“Ah…”, lamentou-se o garçom com grande desgosto. “Ah…” Ele erguia os braços e os deixava cair ao longo do corpo, assim repetidas vezes, como se isso fosse parte dos costumes de sua religião. Não conseguia dizer outra coisa além daquele lamuriento ah. Com a mesma atitude, retornou ao balcão do caixa. A essa altura, como era de se esperar, todos nos observavam. Tentei piscar para Mônica, enquanto ensaiava outra cara de inocente, mas ela cobria o rosto com as duas mãos. Na saída, o porteiro também nos estranhou, mas sem desejar coisa alguma. Melhor.

“Cinema depois? Certo. Vou desligar então. É minha última ficha, vai cair a qualquer…”

Voltei o fone ao gancho, fui para casa.

A seta de Verena – Guia de leitura

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Sobre o livro

 Imagem: Amy Whitehouse. Hospitalidade.

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