Office in a Small City por Edward Hopper

Ante seus olhos, quase um silêncio

Noite passada, tornei a sonhar que a amava.
E a conduzia por uns jardins impossíveis, enriquecidos de remansos, ramos inclinados e delicadas quedas d’água.

Sempre que via Ester fumando em silêncio junto ao cinzeiro de vidro, sentia meu ódio mais puro destilar-se na proporção de sua maliciosa arrogância. Pois aí está, outra vez à minha frente, a sala de seu apartamento. Pernas cruzadas, no outro extremo do sofá, espera que eu prossiga. Costumo calar-me, quase sem dar por isso, quando passam a incomodar-me seus olhos e um seu cinismo próprio a desorientar-me, entrevisto na dosagem de breves sorrisos. Não pretendo interromper-me. Mas é o que ocorre. Nenhuma outra pessoa no mundo pode despertar em mim tantos sentimentos de repulsa quanto Ester fumando em silêncio junto a seu cinzeiro de vidro.

Noite passada, tornei a sonhar que a amava, e a conduzia por uns jardins impossíveis, enriquecidos de remansos, ramos inclinados e delicadas quedas d’água. Ela deita a cabeça em meu ombro, sorri com grande ternura enquanto caminhamos, o que me põe a despertar com um intenso desejo de possuí-la, como não menos o de destruir miseravelmente a mim mesmo. Ignoro se um dia terei forças para lhe contar meu sonho, ou qualquer um dos meus sonhos com ela, sequer posso imaginar sob outro prisma que ela não faça reavivar meu ódio tal como quando eu a vejo fumando e sorrindo, junto a seu cinzeiro de cristal.

Lisette Maris em seu endereço de inverno – Guia de leitura

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Imagem: Willem de Kooning. Sem título. 1949.

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