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O esquife de prata ornamentado
No trem, engrenagens da memória voltadas à notícia da morte de meu pai, eu prevendo o fastidioso velório, a encenação toda, os maneirismos próprios de tais ocasiões, e estranhamente pensei em Horácio, repassando as mesmas palavras que minha falecida mãe usara certa vez, sendo eu menino, ao referir-se a ele, em meio a uma das crises mais graves de seu casamento, brumas do caso mal terminado com o lendário Horácio, antes que meu pai a iludisse e a arrebatasse para si, enquanto me perguntava se seria natural aos abutres silenciosos e aos rostos que nunca antes me viram estranhar a frieza, a rigidez de meus olhos ante o pai defunto, se não teriam gosto em saber que eu viera de tão longe a ver aquele que, no passado, tivera sangue e energia inclusive para gerar minha vida, para que um dia eu o observasse de meu prisma, assim como o próprio universo engendra criaturas para contemplá-lo e mães para confiar segredos aos filhos, e finalmente, no esquife ornamentado, encontrasse o rosto esquálido de seu amigo Horácio.
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Imagem: Gustav Klimt. Mulher com chapéu e echarpe de plumas. 1909.
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