Office in a Small City por Edward Hopper

Sonho 2117. A corte vazia

A justiça e a injustiça já haviam entrado e saído, tendo frequentado todas as salas de audiência do mundo.
E agora não eram mais nada. É que o tempo havia passado.

Um homem está sendo julgado. A mulher bem vestida (entendo mais tarde que é a promotora de justiça) se levanta, com o dedo em sua direção, pronunciando frases intensas. O réu parece contrair-se no encosto, amedrontado. Um ambiente austero, vigas de madeira escura, divisórias envernizadas. Mas, curiosamente, as paredes parecem em chamas, entre fortes tons de amarelo e vermelho. Aquilo tudo parece ser muito importante, não compreendo por quê. Subo umas escadas laterais para assistir a este extraordinário julgamento, de outro ângulo, de um balcão mais alto. Quando chego ao andar superior, vejo que a corte está vazia. Não há mais ninguém lá embaixo. A justiça e a injustiça já haviam entrado e saído, tendo frequentado todas as salas de audiência do mundo. E agora não eram mais nada. É que o tempo havia passado.

A promotora torna a me encontrar enquanto desço, de volta, as escadas. Ela é elegante. Discreta. Não sorri. Só ela ainda está aqui, comigo. Penso que lhe pergunto, intrigado: “Como fica então tudo isso? E todos os processos? Tudo isso para quê?”.

Agora, ela está de perfil. Parece apontar, com um sutil movimento do queixo, um horizonte além da pesada porta de entrada, lá embaixo. Responde sem olhar para mim. Mal consigo identificar o que ela diz, decididamente não são estas as palavras exatas, mas tudo se parece com esta fala, que ecoa em minha memória:

“Veja o Sumo Pontífice da Igreja, por exemplo. Vivendo em um palácio de luzes imaginárias. Ele é o representante real de uma superstição em grande escala. Ele é o rei de uma crença moldada ao longo de séculos por homens que se recusaram a aceitar a verdade. O papa é o rei dos que o cercam formalmente e dos que nunca compreenderão a vida. Dos cidadãos que pensam que, após sua própria morte, continuarão sendo alguém, em uma sociedade invisível. O papa”, ela conclui, sem olhar para mim. “é o rei do vazio.”

Inconsistência dos retratos – Guia de leitura

Sonho 1741. Momento na galeria – anterior

Sonho 2413. A jovem viúva – posterior

Imagem: Adolph Friedrich Erdmann von Menzel. Escadas sob a luz noturna. 1848.

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