Office in a Small City por Edward Hopper

Sonho 772. Vista do mirante

Vista de um mirante. Sonho com estranhas torres.É quando compreendo que meu espanto nunca foi senão uma faceta de meu medo.

Estou no terraço, junto ao parapeito, do que me parece a noite mais clara, o edifício mais alto do mundo. As cidades não nasceram ainda.

Todo o firmamento festeja a noite de mil sóis. A espinha dorsal da Via Láctea arremessando nuvens de luz branca, espirais galácticas quase ao alcance, cortejos de astros incandescentes deslocando-se em lentos turbilhões, estrelas cadentes que faíscam por um instante e logo desaparecem no calidoscópio cósmico, tudo sendo amostras da grande viagem a que assistimos e não compreendemos. O cometa furtivo. O meteoro de surpresa.

Consulto o relógio – 4:32. A Vésper já se posicionou à minha direita. O silêncio parece maior, e os astros retardam-se em seus movimentos. É chegada a hora. Vou chamar meu filho, mas ele também assiste a tudo, do outro lado do terraço.

“Venha ver”, eu lhe digo. “Venha ver as torres nascendo.”

Ele corre para perto de mim, debruça-se no parapeito.

“Você sabe: as cidades nascem à noite. Quando ninguém pode vê-las.”

Então, vemos que os edifícios sobem ao redor, estalando e rugindo, lentos, volumosos, girando sobre seus próprios eixos, até se firmarem na altura e posição que lhes são destinadas, sendo alguns de vidro, outros secretos, numa cadeia de estrondos sucessivos e ensurdecedores que prolifera até o horizonte possível de nossa perspectiva. Maravilha-nos o rompimento da terra, o estrépito que produzem tais partos, como tudo o que nos cerca se revela maior do que nós e à nossa revelia, como a noite e os astros, a morte e os tempos, o avesso dos terremotos, quando por fim identificamos a última torre, monumental e monstruosa, inteiramente negra, mas portando em seu topo o farol mais claro do que todas as noites do mundo: a lanterna giratória que ofusca as luzes menores e encerra o ruidoso ritual dos edifícios. Vemos como ela se impõe entre eles e já os tem a todos em suas devidas proporções de tamanho, formando a vista recortada como a conhecemos, como fotografada nos postais, o conjunto de fachadas gris contra o fundo entardecido – cada torre, cada mirante, cada antena em seu lugar.

Logo irá amanhecer, penso. Sinto que meu rosto, até então refletindo luz e encantamento, declina a uma expressão mais tensa, gradualmente ansiosa. É quando compreendo que meu espanto nunca foi senão uma faceta de meu medo.

Sei que irá amanhecer, tenho certeza.

Não torno a encontrar a Vésper. Meu filho aponta as luzes que giram, as que piscam e as mais cintilantes, pontilhando o emaranhado de torres que compõem a cidade infinita. À nossa frente, ao redor. Ali, bem ali: aqui, onde antes só havia o céu.

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Imagem: Vincent van Gogh. Noite estrelada. 1889.

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