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Sonho 670. O filósofo “francês”
Como sou distraído, penso.
A escola por onde ando é em parte uma e outra faculdade que conheço. Mas não é nenhuma das duas, nenhuma delas por inteiro. Há paredes de tijolos à vista e também paredes recém-pintadas que, estranhamente, já parecem muito gastas.
Sei que há um filósofo francês, por algum motivo, aqui na faculdade, e eu preciso encontrá-lo. Passo por duas alunas, pergunto por ele: elas me dizem que ele já se foi, mas que volta sempre às terças-feiras.
Por que às terças-feiras? Eu nunca o vi antes. Como foi que nunca o vi antes?
Entro em uma sala de aula que é, ao mesmo tempo, um gabinete e um escritório, com partes de uma biblioteca. Conheço esta sala, já estive aqui, e nunca notei todos esses móveis, essa estante de livros, tão sólida e majestosa. Como sou distraído, penso.
Ali está o filósofo, em sua mesa, lendo ou escrevendo. Cabeça baixa, barba escura, bem aparada, mas o que me surpreende é que ele pareça ser mais jovem do que eu. Mais próximo, começo a fazer uma entrevista com ele. Nesse instante, surge sobre a mesa um estranho cinzeiro de metal que eu suponho ser um gravador, não sei se meu ou dele, se eu é que estou gravando suas palavras ou ele, as minhas. Pergunto, formalmente, como um jornalista:
“O senhor critica a globalização porque é francês, rival dos norte-americanos, ou como uma critica mundial?”
“Não sou francês”, ele responde. “Não sou nada.”
“O senhor fala francês”, eu lhe informo, embora ele esteja falando português com perfeição e embora eu entenda que essa variação do português seja, inexplicavelmente, o francês. “O senhor deve ser canadense ou…”
“Não sou nada”, ele repete.
“Mas como? O senhor deve ter nascido em algum país.”
“Sou alemão”, ele diz com naturalidade. “Mas não sou nada.”
Agora, encontro-me em um pátio muito amplo, como alguma daquelas ruas largas da Itália, nesse caso muito larga, proporcionando um grande espaço aberto. À minha direita, ergue-se uma alta construção, lembrando uma igreja, mas não sendo uma igreja, e sim um tipo de colégio antigo ou algo assim, com arquitetura talvez renascentista. É um dia claro, as coisas estão nítidas e parecem vivas, mesmo que eu não veja nenhum sinal de movimento por perto, pessoas ou pássaros. Toda essa rua, todo o chão é de areia. Estou agachado feito uma criança. Bem à minha frente, e só ali, à minha frente, há terra por baixo da areia. Apanho uns punhados, que subitamente se transformam em esterco escuro, e os atiro em direção à construção da direita, como se pudesse abençoá-la de alguma forma. Não estou fazendo força, mas os punhados de esterco vão para muito alto e caem suavemente sobre o teto da construção. Sinto que o filósofo está lá dentro e que estou lhe fazendo um bem muito grande, fazendo cair esterco, suavemente, sobre o lugar onde ele se encontra.
Inconsistência dos retratos – Guia de leitura
Não são estas as minhas certidões – anterior
Sonho 811. O livro que falta – posterior
Imagem: Edward Hopper. A cidade. 1927.
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Comentários
Uma resposta para “Sonho 670. O filósofo “francês””
Perce, tenho copiado uma parte, um pequeno trecho, de seus contos e inserido no Orkut, fazendo indicação da leitura completa, para os demais colegas, com certeza irão apreciar e concluir como eu, magníficos. Um abração, olha já tem dois anos que parei de fazer aniversários, se cuida se não vai acabar me alcançando, kkkkkkkk.
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