Office in a Small City por Edward Hopper

A morte exagerada de Paul McCartney

paul mccartney

Com o boato obscuro, inicialmente anunciado por um radialista de Detroit, tratando da suposta morte do cantor Paul McCartney, um dos integrantes da banda britânica The Beatles, as campanhas de publicidade envolvendo os lançamentos de discos passaram também a alimentar essa mesma ideia, tão cara aos fãs e ao resto dos cidadãos – pois não há nada mais empolgante do que a morte de um ídolo, tanto para os que o amam quanto para os que o detestam.

Comentando a notícia de que estaria morto, o escritor Mark Twain escreve ironicamente no The New York Journal: “A reportagem sobre a minha morte foi um exagero.” Isso porque o repórter havia visitado, por engano, um primo dele, gravemente enfermo. (Em 1907, o iate em que Mark Twain viajava demorou-se por causa de um nevoeiro, e o escritor foi mais uma vez anunciado como morto.) Mas não havia notícias, de fato, sobre a morte do músico. E isso era o melhor, aí estava o gostinho do mistério. Paul não vinha a público ironizar nada. E não escrevia nos jornais.

A banda The Beatles (na época era comum referir-se a uma banda como um conjunto) conseguiu um inesperado sucesso nos anos 1960, tendo dividido o público com outro importante grupo da casa, The Rolling Stones, e com expoentes de além-mar, como The Doors, sem falar nos talentos individuais como Bob Dylan, Janis Joplin e Jimi Hendrix. Mas os Beatles eram mais ricos e mais fortes – coisa de majestade mesmo, gerando expressões como o Reinado dos Beatles, com data de nascimento e morte: 1962-1970.

Voltando à nossa vítima: Paul era também baixista e compositor, mais lembrado pelas melodias românticas do que por outras experimentações, e injustamente esquecido por seu trabalho com as palavras, geralmente associado ao irreverente John Lennon, o mais politizado e intelectualizado do grupo. Paul era um excelente letrista. Canções como Eleanor Rigby e For no one são, no papel, verdadeiros poemas. Tinha também seus méritos como intérprete, mas… podia estar morto.

E não faltavam recados disfarçados, porém nada secretos. Nos últimos segundos da canção Strawberry fields forever, do álbum Magical Mystery Tour, ouve-se a voz de John, soturna e melancólica, anunciando: “I buried Paul…” Eu enterrei Paul. Ah, é? Como assim? Enterrou Paul? Onde? Quando? Vamos ver a capa desse outro álbum, o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band: lá está, no solo (no chão mesmo, nada a ver com solo musical), à direita, o que parece ser um túmulo enfeitado com um arranjo de flores no formato – sim, já adivinhamos – de um contrabaixo. Virando a capa: do outro lado, de frente para nós, os outros três membros da banda. Também de frente a Paul, que é o único de costas para nós. Por que, afinal, ele é sempre o… diferente? Porque – parecia nos contar uma sequência de pistas inquietantes – ele estaria morto.

Então, quem estava no lugar dele? Um sósia? A voz era de um imitador? Ou talvez aquilo tudo já tivesse sido gravado com antecedência…

Mais ou menos isso. Talvez fosse a resposta. A edição de Batman, número 222, de 1970, traz a sugestiva versão de que Paul (nos quadrinhos, Saul Cartwright) fora convenientemente substituído por um sósia, plano estratégico arquitetado pelo líder John (Glennan) e desmascarado, claro, por Batman e Robin. A banda se chamava Oliver Twists. Mas hoje sabemos que ninguém estava órfão.

Na conhecida capa do álbum Abbey Road, Paul atravessa a faixa de pedestres com a perna direita à frente de seu passo, ao contrário de seus colegas. Está vestido de terno e descalço, que é como se enterram os mortos na Inglaterra. Pior: a placa do Volkswagen estacionado nos conta: LMW 28IF. Esse final fora interpretado como uma mensagem cifrada: 28 IF – se estivesse vivo, nesse ano Paul teria 28 anos. Para os fãs da conspiração, aquilo era um verdadeiro epitáfio: LMW significaria Linda McCartney Widow – Linda, sua esposa, viúva. (Mais tarde, ele é que viria a enviuvar dela, como parte das ironias da vida.)

Esses e outros truques renderam uma fatia extra de atenção para a banda – como se não bastasse todo o sucesso até então. Os Beatles não apareciam em público. A última e lendária apresentação da banda, ao vivo, ocorrera no Shea Stadium, nos Estados Unidos.1 Eles apenas gravavam discos e algumas apresentações de tevê (Your mother should know é, visualmente, um exagero de mau gosto, aliás). Não davam entrevistas, não faziam shows ao vivo, tudo muito bem cuidado até o dia em que o próprio McCartney declarou que estava deixando a banda, com isso decretando o rompimento geral e o fim de uma era.

Uma era que ele e seus amigos músicos representaram, em princípio sem consciência disso, mais tarde vendo-se envolvidos num turbilhão de novidades acima de suas forças e, por fim, como geralmente acontece, com o desgaste natural da juventude, optando por seguirem cada um seu próprio caminho.

Não devia ser fácil estar no meio disso tudo. O guitarrista George Harrison que o diga. E nos disse: que o público dera aos Beatles aplausos e fama, enquanto os Beatles deram ao público todo o seu sistema nervoso. E profetizou: “Os Beatles existirão sem nós.” Ufa! Ainda bem que acabou, não é, George? E ainda sobrou um tempinho para sua bela carreira solo.

1 Em 09.02.1964, os Beatles apareceram pela primeira vez na tevê americana. O programa era The Ed Sullivan Show, e a audiência foi a maior até então, estimada em 73 milhões de aparelhos ligados. Essa marca só foi superada em 1969, com a transmissão da descida dos primeiros astronautas na Lua.

(O tema desenvolvido acima integra a palestra Veja de novo: relações entre textos visuais e narrativos, apresentada recentemente.)

Leia mais: As novas invasões inglesas

Anões na interpretação de textos

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Comentários

2 respostas para “A morte exagerada de Paul McCartney”

  1. Avatar de Tania

    Só soube disso agora. E, como todo mundo, era uma fã-nática dos Beatles.
    Mas isso foi uma jogada de marketing muito bem feita. Só que nossos queridos amigos não precisavam de nada disso para estourar nas paradas do mundo inteiro. Até hoje são os melhores. Ninguém conseguiu substituir.
    Abraço grandão

  2. Avatar de Du

    Adorei o artigo Pere. E acho que foi um golpe de marketing espetacular esse. Com tantos sinais, dá pra ficar na dúvida mesmo. Coisa de majestade. rs. Abração.

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