Office in a Small City por Edward Hopper

O Bom Velhinho vende

No período entre os grandes conflitos, Papai Noel foi combatido pela religião tradicional, por ameaçar a popularidade do Menino Jesus, mas sobreviveu por um motivo ou outro.
Nosso velhinho sorridente cresceu entre guerras.
 bom velhinho

Que empresa ou produto ou serviço não se beneficiaria da simpática e confiável imagem do Papai Noel? Quem não gosta do Papai Noel, levante a mão. Muito bem. Quanto à maioria…

Pois não é à toa que os trajes do bom velhinho alternam-se entre vermelho e branco, que são as cores da Coca-Cola, cujo departamento de marketing assim os idealizou. Essa imagem tornou-se tão popular que as ilustrações anteriores, representando o Papai Noel em roupas verdes ou marrons, algumas delas fazendo-o protegido por um gibão de couro, tornaram-se obsoletas.

Esse mito, que provavelmente surgiu na Turquia, atravessou a Europa medieval, ganhou força nos países escandinavos e, de carona na tradição cristã, acabou conquistando os lares do Ocidente. Perto do ano 1000, na Holanda e no norte da França, era o bispo Nicolau – o primeiro a distribuir presentes para as crianças. Na Alemanha, ele adquire melhor as feições com que o conhecemos hoje, inclusive sua inconfundível e obrigatória barba branca. Para não complicar as virtudes do velhinho, os alemães atribuíam a outro homem os castigos para as crianças desobedientes: era Knecht Ruprecht (o equivalente ao nosso bicho-papão), que, para alívio geral, desapareceu da festa. Os protestantes do século 16 substituíram o Papai Noel pelo Menino Jesus. Com o nome de Santa Claus (uma corruptela, forma distorcida de Saint Nicolaus), o velhinho aporta na Inglaterra e parte de lá para as recém-nascidas colônias da América, particularmente o centro portuário de Nova Amsterdã, que viria a ser Nova York. Não se sabe quando ele ganhou óculos.

Knecht Ruprecht, o bicho-papão europeu

Uma guerra entre franceses e alemães no século 19 trouxe um novo Papai Noel da Alemanha para o oeste, através da Alsácia-Lorena, região fronteiriça disputada na Guerra Franco-Prussiana, depois na Primeira e depois na Segunda Guerra Mundial, tomada, devolvida, retomada, mas enfim tarde demais para conter a propagação da nova versão do mito: ele agora usa um gorro peludo, de homem da floresta, e perde sua aparência de santo. Nesses países, no período entre os grandes conflitos, Papai Noel foi combatido pela religião tradicional, por ameaçar a popularidade do Menino Jesus, mas sobreviveu por um motivo ou outro. Nosso velhinho sorridente cresceu entre guerras.

A figura de um homem bondoso recompensando as crianças que durante o ano praticaram coisas boas só pode atrair simpatias. Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém? Bem, não se pode classificá-lo como onisciente, já que recebe cartas. Mas ele se faz onipresente, porque visita todas as casas do mundo em uma única noite. Mesmo antes disso, ele pode estar em vários lugares ao mesmo tempo, nas lojas do centro da cidade e nos shopping centers, o que não é um atributo humano e não deixa de intrigar as crianças mais atentas, cabendo aos pais a tarefa desconfortável de responder a perguntas que não querem calar. Como ele pode estar aqui e ali ao mesmo tempo? Papai Noel é um deus.

É compreensível que a Igreja tenha tentado combater esse mito periodicamente – hoje, não mais. Afinal, ele acabou se consolidando na noite de 25 de dezembro, exatamente quando se celebra o suposto nascimento do Cristo. Parece mesmo uma afronta que um personagem pagão divida com os cristãos o dia e a noite mais importantes do ano, voando sobre as casas e ignorando os presépios. Mas, para as crianças, as solenidades e as obrigações religiosas obviamente não são tão encantadoras quanto a ansiedade pela chegada do Papai Noel e pela expectativa de ter em mãos, entre um sorriso radiante e uns olhos arregalados e satisfeitos, seu esperado presente. Para elas, não há dúvidas de que ele voltará no ano seguinte.

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(O tema desenvolvido acima integra a palestra Veja de novo: relações entre textos visuais e narrativos, apresentada recentemente.)

Leia mais sobre curiosidades: Caçadores e virgens entre as estrelas

Anões na interpretação de textos

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Comentários

3 respostas para “O Bom Velhinho vende”

  1. Avatar de Hecton

    Eu sinto como se tivessemos a tendência natural de alimentar nosso “ego imaginativo”…. de fantasiarmos em nosso universo paralelo. Começamos quando crianças … imaginando namorar com a garota mais bonita da escola…. depois no ser superior…. e o egocentrismo do “isso tudo foi feito pra nós.”…

    O que o Cleber disse eu já tinha ouvido antes… mas não lembro dos detalhes..

  2. Avatar de Cleber

    Você sabe se existiria uma versão em que Knecht-Ruprecht seria um ajudante de Papai Noel? E daria presentes ruins para crianças ruins, como ratos e outras coisas que assustam? Mais ou menos como você comenta ai.
    abraço,
    Cleber

  3. Avatar de Victor Marques
    Victor Marques

    O que me deixa chateado é perceber que não existe nada desse ”espírito natalino” sem um grande apelo comercial por trás, o que eu quero dizer é que o comercio sempre tira um grande proveito disso, a prova é o próprio natal que está começando cada vez mais cedo para o comércio.

    Abraços,
    Victor Marques

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